terça-feira, 23 de dezembro de 2014

"(...) caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar."

(Aviso: este não é um post de revisão do ano que se passou! Eu não estou tocada pelo espírito natalino de "relembranças" e resoluções!)

Este blog nasceu com a intenção de ser um diário de experiências de uma doula em construção, (re)adquirindo "sus ganas de vivir" a cada encontro, a cada descoberta. A cada nascimento, renascendo e ganhando a oportunidade de se transformar.

Mas o que forma uma doula? Que material é esse a partir do qual alguém é forjado para estar (aparentemente) pronto para acolher uma mulher e sua família no momento mais especial de suas vidas, o momento de gestar outro ser humano e dar à luz a esperança renovada na humanidade?

Sinceramente, não sei e creio que nunca saberei. Só posso contar da minha experiência, dos caminhos que me atravessam e me fazem, assim como sou, não uma doula, nem esposa, nem filha, nem mulher... apenas um ser humano de peito aberto para o encontro com "o outro".

Esse texto dificilmente teria brotado em mim há um ano, aproximadamente. 

Em setembro de 2013, tomei a primeira decisão da minha vida sem considerar o que "os outros" iriam pensar de mim, mesmo sem entender - racionalmente - porquê, mas confiando em um sentimento de profunda melancolia e desconexão ancestral com a minha própria vida e, claro, uma necessidade profunda de me reencontrar. Deixei para trás quatro anos de faculdade de jornalismo, três anos trabalhando na área e me vi totalmente sem rumo. 

Foram tantos altos e baixos, que é difícil não crer que este está sendo o meu "retorno de Saturno" - estou me deparando comigo mesma, depois de 28 anos vivendo porque tinha que viver, seguindo porque tinha que seguir. Não tenho esperanças de que eu vá vislumbrar um dia o sentido, por isso o título deste post é um trecho do poema "Cantares" de Antonio Machado. 

Seis meses se passaram, sem que eu vislumbrasse o tal "caminho". A vontade de ser doula já estava semeada em mim desde os tempos do jornalismo, quando pautei algumas matérias sobre o assunto e, principalmente, quando doulei minha cunhada durante o seu trabalho de parto, mesmo sem ter feito o curso. Mesmo assim, algo me prendia. Até que...



...veio o primeiro clarão, em meados de junho assistindo um dos vídeos com Ana Thomaz sobre desescolarização. Enfim, comecei a compreender que muitas amarras que me prendiam, muitos véus que se interpunham entre mim e mim mesma e o outro e o meu caminho haviam sido desenvolvidos em mim a partir de um processo doloroso de conformação social.

O segundo clarão explodiu durante a formação de doula, em meados de agosto e é, de certa forma, derivado do primeiro, já que a repressão do corpo feminino (a base de toda a violência do sistema obstétrico brasileiro) tem sua raiz nesse modus operandi da institucionalização da vida.

Um terceiro clarão me atingiu quando percebi que não sou sozinha, que é impossível ser sozinha. Eu sou a medida que o outro é. Eu sou enquanto me conecto à essa rede social que é a vida. E eu não preciso de um título, de um nome, de uma profissão para ser, basta apenas existir, me colocar disponível nesse fluxo de interações é o suficiente, salvo engano, é a única possibilidade de realmente sermos (porque até aqui, sinceramente, eu não era, apenas estava, apenas seguia, apenas me encaixava). 



O quarto clarão ainda está pulsando em mim de tão recente. Veio enquanto eu participava da co-criação de uma introdução à Comunicação Não-Violenta nos dias 19 e 20 de dezembro (2014), em São Paulo. Sinto que é a partir desse lugar que eu vou conseguir, aos poucos, desamarrar alguns nós e atar outros. 




É a partir de uma comunicação não-violenta comigo mesma e com o outro que vou mergulhar profundamente nesse lugar que conforma, não doulas, médicos, jornalistas, pais e mães, mas sim pessoas sedentas para investigar em parcerias empáticas o que nos une em nossas diferenças, que sentimentos e necessidades nos aproximam e como juntos podemos, a cada encontro, construir os mundos em que todos podem simplesmente ser o que são.  

Enfim... há um ano eu não saberia dizer para onde estava indo... um ano depois, continuo sem saber. Mas abandonei essa necessidade de me definir, me encaixar, me padronizar e criar uma escassez artificial de papeis que delimitam pessoas. 

Nenhum desses caminhos fazem uma doula. Esses caminhos me (per)fazem e de maneira nenhuma me definem.

Muito prazer, eu sou uma doula e quero conhecer quem você é de verdade!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Mapa de Doulas do Brasil - a rede sustentando a rede

Há quem diga que a humanização do parto é uma modinha da qual só usufruem as endinheiradas, afinal, bancar um parto domiciliar parece (mas não é) luxo!

Pois eu vejo, assim como todas #asíndias que na verdade este é um movimento de contra-cultura. Afinal, a cultura dominante é a da cesariana, dos partos vaginais cirúrgicos, das mulheres reduzidas subprodutos e, claro, muito violência obstétrica. Como todo movimento de contra-cultura, a humanização do parto nasce a partir da revolta de - no início - alguns poucos que começam a enxergar que há algo ou alguém tentando suprimir direitos. 

Tá se sentindo um abelha longe da colmeia? Tá procurando um grupo de apoio à gestante para chamar de seu? Pronto, achou! Acesse o Mapa de Grupos de Apoio ao Parto, Amamentação e Maternidade !

Como um perfume desconhecido que toma conta do ambiente, a humanização vai polinizando os ideias de um nascimento que respeite o tempo fisiológico do corpo feminino, o tempo da natureza. E como um enxame de abelhas, o movimento vai crescendo, se espalhando, semeando uma boa velha nova: o corpo da mulher é capaz de parir, os bebês são capazes de nascer, as famílias podem acolher o novo ser sem medo de "afogá-lo" em amor demais, afinal não há medida exata para amar, não há, segundo o pediatra Carlos Gonzalez "Não há adulto na prisão porque os pais deram afeto demais"!

A busca por equipes que trabalham seguindo evidências científicas sérias, por doulas e por mais informações só tende a crescer e crescer. A rede (internet) é, portanto, uma aliada.

Se você está loucamente atrás de uma doula para chamar de sua... eis que nós, doulas, começamos a nos organizar e tcharam... aí está, um mapa nacional para facilitar os encontros entre gestantes e doulas!

Eu estou no Mapa de Doulas do Brasil, cheia de orgulho por representar Mauá, cidade da Região Metropolitana de São Paulo, no mapa!! Aqui em Mauá também tem humanização, aqui em Mauá também tem doula!  


Mãe, tô no Mapa de Doulas do Brasil!



sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Projeto Clarear: uma rede virtuosa pela humanização do parto

Você já ouviu falar da Clarear Projeto Editorial? Não? Então clique ali (<--) para conhecê-lo e você vai entender porque eu estou por demais orgulhosa por me tornar um pontinho nessa rede tão virtuosa que está semeando a humanização do parto com tanta poesia.

Olha eu no Mapa da Clarear! Para saber se há um ponto de venda próximo á você basta acessar o link!




Pois sim... acabei de ler a revista inteirinha que foi idealizada pela querida jornalista Ceila Santos. O texto é pura poesia, assim como as imagens escolhidas para compor esse belo material. É perceptível o cuidado que se teve ao produzir o texto, como uma colcha de retalhos costurada pacientemente, unindo ciência, evidências científicas, ativismo, carinho...

Por toda a leitura você sente que está em um bate-papo com Ceila, dá para ver o seu sorriso e ouvir sua voz calma fazendo apontamentos simples e que, ao mesmo tempo, guardam uma sabedoria ancestral que, infelizmente, estamos deixando para trás. Um exemplo, é a frase de Eleanor Luzes, para compor a sessão "Frases . O que ELES dizem?"

"Aquela primeira célula da concepção será a matriz para todas as células para o resto da vida. O que aconteceu na concepção vai refletir no parto e vai se reproduzir na vida daquela pessoa!"
Eleanor Luzes, psiquiatra junguiana e autora do doutorado sobre Ciência do Início da Vida

A leitura me levou para cantinhos bem escondidos dentro de mim e fez surgir tantas indagações... como nos deixamos esquecer de verdades impressas em nossos DNA's? Como a cultura, a ciência, a medicina nos faz tão incrédulas a respeito de nossa própria capacidade de gerar vida e parir vida? De encaminhar um novo ser nessa Terra?

Enfim... ainda estou aprendendo e essa revista é uma auxiliar no processo. Ela abre caminhos, indica leituras, favorece a meditação e fomenta o autoconhecimento!

Quem tiver interesse,basta acessar o site Clarear - Gestação, parto e pós-parto, o blog Mamatraca para assistir as entrevistas realizadas para a revista ou ainda o blog Desabafo de Mãe para conhecer as reflexão que autora faz a respeito de cada texto que leu ou entrevista que realizou! 

A revista é vendida por meio da rede de representantes do projeto, como euzinha! Quem quiser um exemplar, é só entrar em contato. O valor da revista é R$ 28 reais (+frete).

Grande abraço e boa leitura!

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Sobre o conviver em rede e parcerias de vida!

Uma questão que venho aprendendo desde que mergulhei de cabeça nesse lindo mundo da humanização do parto e da vida é a necessidade de viver em rede. 

A frieza de um organograma...
Infelizmente, vivemos em uma cultura patriarcal e autocrática que nos doutrina a enxergar o mundo como um frio organograma. Para alcançar aqueles que estão acima de nós (obstetra/hospital, professor/escola, chefe/instituição e assim vai) é preciso percorrer um longo caminho... e quem está ao nosso lado, bem, eles estão nessa peleja também e acabam virando concorrentes. Quem está abaixo, enfim, não importa. O que importa é o objetivo, o topo.



... ou a infinita rede de possibilidades de interações?
A partir do momento que você cai em si (e olha que a queda é feia e dolorida!!), percebe que essa visão é equivocada, uma construção social que vem se perpetuando de geração em geração, no piloto automático. Na verdade, a tendência dos seres vivos, da vida em geral é a convivência, a troca profícua de saberes, sem intermediários, ao contrário do darwinismo social em que nos emaranhamos. A vida, em nível celular, orgânica e sistêmica, acontece à base de trocas, de redes.

Bom... todo esse preâmbulo para anunciar que esse humilde espaço na rede está aberto para parcerias, para unir no lugar de segregar. Para somar e multiplicar em vez de dividir e subtrair.

Inauguro a parceria com o texto visceral da querida Elisangela Alberta de Souza, mãe de três filhos lindos, que procura transmutar a dor de dois partos roubados (e um conquistado na unha) levando adiante a semente da necessidade de tomar as rédeas da própria vida nas mãos. Sem mais delongas, aí vai o texto! :)

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PD-Coragem de ir contra o sistema, cultura e crença

Publicado originalmente em 29 de maio de 2013, no Facebook da Elisangela!
Ter um parto domiciliar aqui no Brasil não significa ter coragem, a coragem esta em desafiar o sistema. Acreditamos que o parto é algo grave e imprevisível e precisa estar no controle dos médicos. Infelizmente  a idéia que  tem sido passada a nós mulheres (que nossos corpos são defeituosos), levou o sagrado  feminino, evento fisiológico e sexual,  a ser observado e intervencionado por médicos. A mulher deixou de ser protagonista do evento mais lindo e importante da sua vida. 

Escolher parir em casa, não é um ato corajoso, é justamente o contrário: medo de passar por todo tipo de intervenção desnecessária, pois infelizmente as mulheres e seus filhos não são tratados com individualidade nas instituições, que, trabalham como em linha de montagem, agindo tecnocrática e mecanicamente, cumprindo os protocolos e rotinas até nos casos que não necessitam de intervenção. 

Ir para o hospital sabendo que você terá um acesso venoso  para administração de hormônios e/ou medicamentos que você não conhece e nunca ouviu falar, sem o seu consentimento, além da ocitocina, que é um hormônio sintético que promove a elasticidade e contração causando muita dor e em quantidade inadequada pode até causar o rompimento do útero, ficar horas sem comer, sem poder se movimentar, não poder se expressar livremente e na maioria das vezes não podendo ter um acompanhante da sua livre escolha, sendo observada e tocada nas suas partes íntimas por pessoas diferentes e estranhas, e ainda:  

- Amniotomia (Ruptura  artificial e intencional das membranas  para induzir o parto);
- Distenção do períneo feita com as mãos do profissional de assistência (que nessas condições de trabalho de parto não será nem um pouco agradável, será apenas mais uma forma de violência obstétrica);
- Manobra de Kristeller (subir na barriga da mulher empurrando o fundo do útero para que o bebê "saia" mais rápido);
- Episiotomia, corte feito no períneo, desnecessária, pois se o TP for natural, sem intervenção, o organismo se encarrega de providenciar os hormônios na medida para que cada ação seja feita pelo próprio corpo.  

O bebê gerado, amado e esperado com  carinho e ansiedade será - não importa se nasceu bem ou não - aspirado, terá sonda sendo introduzida em praticamente todos os orifícios do corpo, além do colírio de nitrato de prata (que só é recomendado em casos de nascimento por via vaginal em mulheres com gonorréia ativa) causando ardência, dor e uma conjutivite química, a qual impedirá o bebê de reconhecer a própria mãe. 

O  bebê não terá  o primeiro contato extra-útero com a mãe ao nascer para que a troca de cheiro e hormônios possa dar início ao vínculo, facilitando a amamentação, estimulando o reflexo de sucção, já que na primeira hora de vida esse reflexo é mais apurado. E o corte prematuro do cordão umbilical, desperdiçando sangue que lá na frente poderá fazer falta, pois existem estudos que provam: apenas 3 minutos de vida fora do útero ligado ao cordão é suficiente para evitar deficiência de ferro (anemia) na primeira infância. Basta o cordão parar de pulsar,  um sinal de que o ar já encheu os pequenos pulmões. 

Permitir-se ter um parto lindo e mágico, é deixar a natureza agir. Todo parto deveria ser assim, seja em ambiente hospitalar ou em ambiente doméstico mas, infelizmente, entendemos que o parto é um evento médico, e a maioria das mulheres acaba numa mesa cirúrgica para fazer a extração fetal, as "desneCesáreas", que causam muita dor na parturiente e stress no bebê. Quando nasce um bebê com baixo índice de Apgar todos dão graças a Deus pela "cesárea salvadora", e acreditam que o bebê havia "passado da hora" ignorando que o sofrimento fetal fora causado pelo excesso de intervenções. 

Num parto sem perturbações, o próprio organismo humano se ocupa de produzir analgésicos (beta-endorfinas) que aliviam as dores do parto, ou de atingir um pico de ocitocina que previne hemorragia pós-parto
Num parto sem perturbações, o próprio organismo humano se ocupa de produzir analgésicos (beta-endorfinas) que aliviam as dores do parto, ou de atingir um pico de ocitocina que previne hemorragia pós-parto

Cinquenta por cento de cesáreas salvadoras no Brasil?! Sendo que só na rede privada esse índice chega a 90%. Isso não é salvação? É uma forma de incapacitar mulheres e mães de serem donas dos próprios corpos, subestimando e desencorajando para uma maternidade ativa. Os estudos mais recentes em países onde o parto domiciliar é  custeado pelo sistema de saúde provaram que a assistência por parteiras (Enfermeiras Obstétricas, e Obstetrizes) tendem a acontecer com o mínimo de intervenção. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Biblioteca Cochranne (coleção de fontes de informação com base em evidências científicas) recomendam partos assistidos por parteiras. 

Então não há motivos para que uma gravidez de risco habitual se torne uma gravidez de risco durante o TP. Isso é o que acontece quando na evolução para o parto os planos mudam e a mulher é "cesareada" para diminuir os riscos. Isso quando a cesárea não é agendada por conveniência médica e/ou da família, o que torna o evento do nascimento ainda mais perigoso, pois se o trabalho de parto ainda não chegou é sinal de que o bebê ainda não está pronto para nascer.

Muitas pessoas usam o fato de estar com mais de 38 semanas para marcar a cesáreana, sem serem informadas de que a gravidez pode se estender até 42 semanas ou mais. Para que isso aconteça é preciso que haja uma boa assistência, humana e preocupada com o bem estar do binômio mãe-bebê. 

O nascimento seria um evento mágico e simples se entendêssemos a verdadeira dimensão do nascer e se quiséssemos mesmo ser protagonistas e donas do nosso destino.

O medo da dor, o medo do parto ou de ter suas partes íntimas danificadas com o parto normal, são medos infundados e têm mais relação com a cultura e crença do nosso país de cultura machista e patriarcal quem vem sendo perpetuada de geração em geração, inclusive por mulheres.

Mulheres bem resolvidas e informadas, tendo uma boa assistência podem ter sim um parto emocionante, em que não só darão a luz a uma vida a mais nesse planeta, mas darão a luz a si mesmas, pois não ter consciência do próprio corpo e de seu sagrado feminino, de seu próprio poder enquanto fêmea e mamífera, é viver na escuridão.

Para uma pesquisa com referencias científicas
acesse o link http://guiadobebe.uol.com.br/sistema-hormonal-do-parto/

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Episiotomia NÃO! ou "É só um cortezinho?"



Estive presente na tarde de ontem (23/10/2014), como ouvinte e ativista, de audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal sobre "Episiotomia e Humanização do Nascimento".
Ativistas, mães, estudantes, médicos, gestores - todos ouviram o coro: "Episiotomia NÃO!"
Foto de Sarah Bryce

Foi, na verdade, uma grande aula de diversos mestres: mulheres que sofreram violência obstétrica, ativistas, cientistas, pesquisadores, estudantes, gestores de hospitais, médicos, enfermeiros obstetras e obstetrizes.


Símbolo do períneo íntegro!
A já conhecida e muito citada obstetra dra. Melania Amorim iniciou o encontro com um emocionante compilação do que eu gostaria de chamar de "evidências das evidências". De toda a sua aula, o que bateu forte em mim foi a crítica feita à necessidade um tanto - ou completamente - equivocada de se produzir evidências científicas para provar que certos procedimentos são obsoletos, procedimentos esses que começaram a ser praticados sem estudo científico qualquer que provasse sua necessidade. 

É o requinte da soberba humana, necessitar de evidências científicas para provar que um evento fisiológico não oferece riscos à integridade física das mulheres e seus bebês.



Senhoras e senhores, lhes apresento o clítoris!

Pois é... essa nossa vida hierarquizada, de transferência de poder para as mãos institucionais do professor (escola), da polícia, do médico (hospital), do Estado, nos cega para o fato de que a medicina não é dona da verdade e que muitas de suas práticas são baseadas em estudos do século XIX ou anteriores , feitos por médicos convictos de certas crenças - veja bem, crenças e não evidências: o corpo da mulher é defeituoso, o parto é um castigo, o homem (o macho da espécie) pode consertar tudo isso.

A fala da Dra. Simone Diniz corroborou essa questão por apresentar o viés machista e misógino da cultura da intervenção obstétrica: a crença de que o corpo feminino é defectivo, de que a vagina é um órgão frágil feito para receber um falo (seja ele um pênis, uma tesoura ou um fórceps) e não um órgão composto por fibras musculares, terminações nervosas e tecido erétil.

 "É só um cortezinho"(?) - ato cirúrgico que corta diversas camadas de músculos e tecidos para impedir que a mulher sofra alguma laceração do períneo (??? O.o !!! )


É impossível não lembrar da caça às bruxas na Idade Média, ao se dar conta que uma episiotomia rasga tecidos de um órgão exclusivamente feminino - o clítoris - cuja única função é proporcionar prazer à mulher.

Os relatos de mulheres que sofreram episiotomia foram, no mínimo, chocantes. Os procedimentos realizados de forma tão fria, mecanizada, sem a dignidade de ao menos saber o que estava sendo feito, sem o consentimento e muitas vezes sob pedidos que não fossem feitas... 

Laura Alonso, mãe da Mari, doula e uma das idealizadora do Espaço ComVida. Que sua história não tenha se passado em vão! Aos que precisam ouvir, que ouçam!
Foto de Sarah Bryce


É de uma crueldade digna de filme de terror que, infelizmente, é reprisado dioturnamente no país, vide as taxas apresentadas pelo Ministério Público (algumas maternidades apresentam 90% de partos vaginais cirúrgicos). Chorei em todos os relatos, me coloquei no lugar dessas mulheres e as aplaudi pela coragem de expor algo tão íntimo e avassalador. O meu carinho a todas elas e a todas as que não estiveram por lá, mas sofreram também com violência obstétrica! Como a promotora Ana Carolina Previtalli bem colocou, que o esforço de vocês não seja em vão, que contribua para que os responsáveis repensem suas práticas, para que mais flores desabrochem nesse caminho tão tortuoso.

A cicatriz de uma episiotomia pelo delicado olhar de Carla Raiter no projeto
 "1:4 - Retratos da Violência Obstétrica"


A atmosfera era de indignação, podia se ouvir os pensamentos em coro: "O corpo é nosso! Queremos mudanças! Episiotomia NÃO!"

Quem por lá esteve, foi brindado com relatos de experiências bem sucedidas, como as do Hospital Sofia Feldman em Belo Horizonte (MG), da Casa Ângela, na Zona Sul de São Paulo - única instituição com 0% (isso mesmo, ZERO) de episiotomias, além do projeto "Parto Seguro à Mãe Paulistana". Tais experiências serviram para mostrar que é possível a mudança se o parto for encarado como um evento fisiológico, cultural e social... e não médico! 

O que ficou claro é que episiotomias de rotina são inadmissíveis. Não há evidências científicas que provem a necessidade de fazê-las. Há que se repensar o modelo de saúde nacional, voltado para atender a doença e não para promover saúde. Isso somente se dará com um diálogo aberto entre gestores públicos e privados, médicos, obstetrizes, enfermeiros e, principalmente, AS MULHERES!! 

O que reverbera em mim até agora é a colocação de uma aluna do curso de obstetrícia da USP, de que estamos enfrentando um paradoxo: a necessidade de humanizar o nascimento humano. Parafraseando a promotora Ana Carolina Previtalli, a que ponto chegamos, afinal, ao dizer que um médico ou uma instituição é humanizada? Todos os outros são o que então? Desumanos?

Não há curso de reciclagem, protocolo de atendimento readequado, mulher empoderada que chegue a falta de sensibilidade do profissional que se recusa a ver que EPISIOTOMIA É VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA! Por amor, parem de chamar de "cortezinho", "piquesinho"... parem de diminuir um PROCEDIMENTO CIRÚRGICO e de tratar a mulher como um ser inferior, que entende só o que lhes é falado no diminutivo).

Enfim, evidência científica nenhuma no mundo será suficiente se os profissionais que lidam com o nascimento continuarem a não enxergar, ouvir, sentir, acolher e compartilhar a dor das mulheres que saem das maternidades multiladas, destroçadas e marcadas física, sexual e psicologicamente para o resto de suas vidas!

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Oração

Mais um parto - o da jovem C. Mais uma nascimento  - do lindo D. Mais uma situação de violência obstétrica. 

A energia que me trouxe até aqui e me arrebatou para a causa da humanização do parto impede que meus olhos se acostumem com esse tipo de situação. A indignação permanece em mim e se transforma em força para buscar outros caminhos, outros olhares.

A minha presença nos partos que acompanho reverbera nos profissionais que estão comigo uma energia de respeito, admiração, carinho e amor por essa mulheres que escolheram - ou não - gerar novas vidas.

As mulheres sabem parir. Os bebês sabem nascer. Os que nascem respeitados, respeitam. Os que nascem em paz, semeiam a paz. Os que são amados, amam -  a si e ao próximo. Os profissionais da obstetrícia têm plena consciência disso e respeitam o momento sagrado do nascimento, o direito da mulher de parir e o direito do bebê de ser parido, em paz.

Cada novo ser humano que vê a luz pela primeira vez e dá o seu primeiro suspiro de vida o faz no colo de sua mãe, aquecido por sua pele, respeitado no mais primordial dos direitos: o de ter uma experiência de parto positiva, que representa uma transição tranquila, amorosa, respeitosa - e tudo isso é reflexo de uma sociedade também amorosa e respeitosa com todos os seres humanos, incondicionalmente. 

E eu estou viva para presenciar esse glorioso momento da humanidade.

Axé
Amém
Que assim seja

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

OMS pede mobilização pelo fim da Violência Obstétrica!! #VOBR2014





Eu bem que disse que a Primavera chegou soprando bons ventos! 

Na segunda, boas notícias em relação ao processo de humanização do Hospital da Mulher, em Santo André e a permissão da entrada de Doulas na instituição!

E ontem (23/09/2014) a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o documento "Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde" (clique no link para ler o documento na íntegra), uma Declaração Oficial traduzida para apenas 5 línguas, entre elas o português. Por que será, héin?

O documento inicia com um tom de chamamento: "Esta declaração convoca maior ação, diálogo, pesquisa e mobilização sobre este importante tema de saúde pública e direitos humanos". 

E é isso que as feministas e ativistas pelo parto humanizado estão fazendo: organizou-se uma ação de mobilização nas mídias sociais, por meio da hashtag #VOBR2014, para disseminar ao maior número de pessoas, instituições, profissionais, mulheres e famílias essa Declaração, que já pode ser considerada um marco na luta contra a violência obstétrica!

A Declaração da OMS enfatiza que:

"Os abusos, os maus-tratos, a negligência e o desrespeito durante o parto equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres, como descrevem as normas e princípios de direitos humanos adotados internacionalmente. Em especial, as mulheres grávidas têm o direito 
de serem iguais em dignidade, de serem livres para procurar, receber e dar informações, de não sofrerem discriminações e de usufruírem do mais alto padrão de saúde física e mental, incluindo a saúde sexual e reprodutiva."

Para garantir um direito humano tão básico, o documento aponta 5 medidas a serem implementadas:

1.  Maior apoio dos governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o desrespeito e os maus-tratos

2. Começar, apoiar e manter programas desenhados para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como componente essencial da qualidade da assistência 

3. Enfatizar os direitos das mulheres a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto

4. Produzir dados relativos a práticas respeitosas e desrespeitosas na assistência à saúde, com sistemas de responsabilização e apoio significativo aos profissionais

5. Envolver todos os interessados, incluindo as mulheres, nos esforços para melhorar a qualidade da assistência e eliminar o desrespeito e as práticas abusivas.

Dessas, a 5ª medida - creio eu - é a mais relevantes, pois só envolvendo toda a sociedade na discussão, incluindo médicos, crianças, pais, professores de medicina -  e do ensino básico também -, governantes etc., é que será possível alcançar uma mudança nessa cultura da violência que se instalou em torno da gestação, parto e maternagem!

Pode me chamar de Poliana, mas esse é ou não é um sinal claro de que o ativismo e a perseverança realmente funcionam? 

"Bora" aproveitar os ventos da Primavera para semear com mais força essa ideia? Então ajude a divulgar o documento e a hashtag #VOBR2014!

Avante, que o caminho é longo e a vida é curta!

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Doulas no Hospital da Mulher? Agora pode!

Doulas, militantes, pais e crianças! Todos reunidos em um manifesto pacífico pela humanização do parto no ABC. 


E os bons ventos da Primavera trouxeram ótimas notícias relacionadas à humanização do parto no ABC, Região Metropolitana de São Paulo.

O Hospital da Mulher Maria José Santos Stein, em Santo André, recebeu ontem (22/09/2014) a visita de militantes da humanização do parto, representantes do Maternamente gestantes, doulas, casais e crianças. Tod@s buscando diálogo e esclarecimentos relacionados à demanda da humanização da instituição, levantada no Orçamento Participativo Digital do município.

O caminho é árduo, mas nada que vem fácil costuma ser duradouro, concorda?

Acredito (sério, acredito mesmo) que a situação que vivemos hoje no Brasil, de altas taxas de césareas, episiotomias, violência obstétrica, só alcançará uma real mudança a partir do momento que as pessoas se engajarem, conhecerem seus direitos e lutarem por ele. E o SUS é um direito!

Mas isso é muito complicado de se conseguir se na primeira dificuldade acontecer uma debandada para o sistema privado de saúde, assim como acontece com a educação. Não é lá que está a humanização. Pelo contrário, no sistema privado a saúde é vista como produto, não como um direito.
Deve ser por isso que gosto mais das palavras humanização, democratização... porque denotam movimento, o caminhar, o buscar, uma ação, algo que é construído no porvir, horizontalmente e não que se impõe de forma verticalizada e definitiva.

O Hospital da Mulher está perseguindo esse ideal e a boa notícia é que a partir de agora as doulas terão sua entrada permitida por lá, junto à gestante e ao seu acompanhante. Isso mesmo, nada de ficar revezando. É um pequeno passo, mas que já garante que a mulher terá mais uma voz do seu lado, mãos para garantir o apoio e o carinho que ela necessita nessa hora tão sagrada.

A superintendente do hospital, Dra. Rosa Maria Pinto de Aguiar, garantiu também que a instituição passará a divulgar os índices de cesárea e episiotomia.

Falta ainda a reciclagem dos profissionais que lá atuam, a descentralização do parto para que a figura do médico só esteja presente em um cenário de real necessidade e não em todos os partos como acontece hoje, encontros educativos periódicos para as mulheres atendidas no local.

Enfim, falta muito e por isso mesmo as energias se renovam, para continuar na luta, sempre em movimento! 

Avante, que a vida é curta e o caminho é longo!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Nasceu uma doula!

Agora é oficial!

Em um hospital de São Paulo, às 00h57, do dia 19 de setembro de 2014, após mais ou menos uns 28 anos de gestação e 10 horas em trabalho de parto, nasceu a Raquel Doula! 

O corpo dói, mas a mente finalmente descansa com a certeza de ter encontrado o caminho em que mais e mais partos vão me trazer para mais perto do meu verdadeiro eu: feminina, serena, cuidadosa... doula.

A mãe que me pariu não poderia ser outra: A T.* e eu nos achamos logo no meu primeiro dia de voluntariado. Até fui acompanhada de uma doula mais antiga de casa, mas nosso entrosamento se deu na primeira massagem nas costas, no primeiro abraço durante uma contração. A partir dali eu soube: só sairia dali após ver o nascimento do bebê G.*. 

Cada massagem durante as ondas das contrações, cada carinho, afago e cafuné nos intervalos nos fazia mais próximas. E em poucas horas parecia que já nos conhecíamos a mil anos. Confiávamos uma na outra, apesar das duas serem tão inexperientes: primeiro bebê, primeira vez parindo, primeira vez como doula (após o curso de formação pelo menos... antes ensaiei com a minha cunhada linda, amiga, irmã e companheira de lutas!! Foram os pródromos para o meu nascimento!! :D ).

Eu acreditei nela e a cada puxo, incentivando, encorajando, acolhendo e acariciando ela acreditou em mim também. Não podia deixa-la e não a deixei!

Não foi perfeito, porque apesar de tudo algumas intervenções aconteceram: episio, campleamento precoce do cordão, bebê afastado da mãe por quase duas horas. Ficou uma sensação de que poderia ter feito mais... mas uma certeza de que foi o melhor que poderíamos ter feito, dadas as circunstâncias em que estávamos.

Uma conclusão: parir é um trabalho. E o que fazemos antes de trabalhar? Estudamos

Uma certeza: para parir é preciso estudar... e muito! Se conhecer, conhecer as possibilidades. Só o conhecimento cura a ignorância de alguns médicos que acreditam que o corpo feminino é incapaz!

Ao final, com um abraço carinhoso e apertado, falei em seu ouvido:

- "T., nunca vou te esquecer!"

E ela:

- "Eu também não!"

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Post de estreia!

Este é o post de estreia deste blog que, além um diário de uma Doula, pretende ser um espaço democrático de discussão e ação-aprendizagem do doular, partejar e maternar, tudo bem juntinho e misturado!

Avante que a estrada é longa e a vida curta!