terça-feira, 23 de dezembro de 2014

"(...) caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar."

(Aviso: este não é um post de revisão do ano que se passou! Eu não estou tocada pelo espírito natalino de "relembranças" e resoluções!)

Este blog nasceu com a intenção de ser um diário de experiências de uma doula em construção, (re)adquirindo "sus ganas de vivir" a cada encontro, a cada descoberta. A cada nascimento, renascendo e ganhando a oportunidade de se transformar.

Mas o que forma uma doula? Que material é esse a partir do qual alguém é forjado para estar (aparentemente) pronto para acolher uma mulher e sua família no momento mais especial de suas vidas, o momento de gestar outro ser humano e dar à luz a esperança renovada na humanidade?

Sinceramente, não sei e creio que nunca saberei. Só posso contar da minha experiência, dos caminhos que me atravessam e me fazem, assim como sou, não uma doula, nem esposa, nem filha, nem mulher... apenas um ser humano de peito aberto para o encontro com "o outro".

Esse texto dificilmente teria brotado em mim há um ano, aproximadamente. 

Em setembro de 2013, tomei a primeira decisão da minha vida sem considerar o que "os outros" iriam pensar de mim, mesmo sem entender - racionalmente - porquê, mas confiando em um sentimento de profunda melancolia e desconexão ancestral com a minha própria vida e, claro, uma necessidade profunda de me reencontrar. Deixei para trás quatro anos de faculdade de jornalismo, três anos trabalhando na área e me vi totalmente sem rumo. 

Foram tantos altos e baixos, que é difícil não crer que este está sendo o meu "retorno de Saturno" - estou me deparando comigo mesma, depois de 28 anos vivendo porque tinha que viver, seguindo porque tinha que seguir. Não tenho esperanças de que eu vá vislumbrar um dia o sentido, por isso o título deste post é um trecho do poema "Cantares" de Antonio Machado. 

Seis meses se passaram, sem que eu vislumbrasse o tal "caminho". A vontade de ser doula já estava semeada em mim desde os tempos do jornalismo, quando pautei algumas matérias sobre o assunto e, principalmente, quando doulei minha cunhada durante o seu trabalho de parto, mesmo sem ter feito o curso. Mesmo assim, algo me prendia. Até que...



...veio o primeiro clarão, em meados de junho assistindo um dos vídeos com Ana Thomaz sobre desescolarização. Enfim, comecei a compreender que muitas amarras que me prendiam, muitos véus que se interpunham entre mim e mim mesma e o outro e o meu caminho haviam sido desenvolvidos em mim a partir de um processo doloroso de conformação social.

O segundo clarão explodiu durante a formação de doula, em meados de agosto e é, de certa forma, derivado do primeiro, já que a repressão do corpo feminino (a base de toda a violência do sistema obstétrico brasileiro) tem sua raiz nesse modus operandi da institucionalização da vida.

Um terceiro clarão me atingiu quando percebi que não sou sozinha, que é impossível ser sozinha. Eu sou a medida que o outro é. Eu sou enquanto me conecto à essa rede social que é a vida. E eu não preciso de um título, de um nome, de uma profissão para ser, basta apenas existir, me colocar disponível nesse fluxo de interações é o suficiente, salvo engano, é a única possibilidade de realmente sermos (porque até aqui, sinceramente, eu não era, apenas estava, apenas seguia, apenas me encaixava). 



O quarto clarão ainda está pulsando em mim de tão recente. Veio enquanto eu participava da co-criação de uma introdução à Comunicação Não-Violenta nos dias 19 e 20 de dezembro (2014), em São Paulo. Sinto que é a partir desse lugar que eu vou conseguir, aos poucos, desamarrar alguns nós e atar outros. 




É a partir de uma comunicação não-violenta comigo mesma e com o outro que vou mergulhar profundamente nesse lugar que conforma, não doulas, médicos, jornalistas, pais e mães, mas sim pessoas sedentas para investigar em parcerias empáticas o que nos une em nossas diferenças, que sentimentos e necessidades nos aproximam e como juntos podemos, a cada encontro, construir os mundos em que todos podem simplesmente ser o que são.  

Enfim... há um ano eu não saberia dizer para onde estava indo... um ano depois, continuo sem saber. Mas abandonei essa necessidade de me definir, me encaixar, me padronizar e criar uma escassez artificial de papeis que delimitam pessoas. 

Nenhum desses caminhos fazem uma doula. Esses caminhos me (per)fazem e de maneira nenhuma me definem.

Muito prazer, eu sou uma doula e quero conhecer quem você é de verdade!